Será que entendemos o que é ser ativista?
Esse texto surgiu de um momento de cansaço. A primeira ideia foi falar sobre como me sinto enquanto mulher e ativista ambiental. Fazer um desabafo. Colocar pra fora dificuldades que encaro nos espaços onde esperava acolher e ser acolhida. Afinal, estou junto de pessoas que têm objetivos comuns aos meus. Não tem sido assim. Conversei e refleti com outras companheiras, que também relataram sentir o mesmo cansaço e a profunda incoerência desse cenário.
Daí pensei, por que não estender essa conversa para mais ativistas? E se os problemas que eu e minhas companheiras de luta sofremos acontecem também fora da pauta ambiental? Talvez seja a oportunidade de entender melhor o que está acontecendo e começar um processo de aprendizado coletivo. De plantar uma sementinha. Afinal, antes de existirmos em nossas lutas, somos nossas identidades e subjetividades. Somos humanas e, por mais que nossas causas nos representem, elas não vivem nossas dores.
Decidi então mergulhar nesse processo. Perguntei pra algumas ativistas sobre as principais dificuldades que enfrentam em espaços de militância. Obstáculos que vivem por serem mulheres, de diferentes etnias e identificações, pessoas não binárias e fora do padrão de classe — masculino, branco, cis e hétero. Tentei abarcar diversas visões e realidades na busca de algo que nos conecte além da dor e talvez entender raízes em comum.
Após essas conversas, algo ficou claro: não nos sentimos confortáveis nos nossos espaços de atuação, para dizer o mínimo. Lugares que seriam supostamente pautados na ideia de aliança não deveriam ser tão hostis. São grupos que se uniram para formar um coro, mas que não conseguem dialogar entre si.
Comecei a questionar se o recorte padrão também se sente assim. Será que vivenciam o mesmo tipo de violência e invisibilização de quem não se encaixa nesse perfil?
Ainda não fui capaz de sintetizar respostas suficientes. Os relatos trazem à tona um cenário de dificuldades que extrapola inclusive a figura tradicional do opressor — o homem branco cis hétero. Os relatos expõem também violências cometidas por outras mulheres. De maioria brancas cis e hétero. Feministas, inclusive. Refleti sobre o senso de superioridade moral e intelectual que existe nesses espaços. A ideia de que entendemos tudo e somos iluminadas e iluminados. De que não é possível oprimir ninguém. Afinal, como posso, eu, ativista, tão desconstruída/o reproduzir esse tipo de comportamento? Não. A outra pessoa deve ter entendido errado (será?).
Um amigo me fez pensar sobre a incapacidade que temos em deixar de priorizar nossa individualidade na militância, mesmo quando estamos lutando pelo coletivo. A constante necessidade da autoafirmação. Ou, no outro extremo, a “tutela” que dá ordens e molda nossa experiência e participação. Nos dois casos a individualidade permanece firme com o comportamento, as motivações e histórias de cada pessoa. Mas com isso acabamos nos tornando míopes para o que importa ou deveria interessar: a causa que nos fez ativistas, além da coerência que esse “título” demanda.
Mas o que eu quero dizer com isso?
Em primeiro lugar, esse texto é uma primeira reflexão. Uma gota d’água num oceano de possíveis perguntas e respostas. Em segundo lugar, nossa individualidade pode nos cegar. É preciso ter cautela. Parar. Respirar. Analisar o que está acontecendo e qual a nossa responsabilidade.
Nenhum problema pode ser resolvido sem ser identificado e compreendido. Esse processo demanda atenção, informação e reflexão. Qualquer causa que nos propomos a defender envolve esses passos. Por isso, é importante prestar atenção na maneira como tratamos nossas companheiras e companheiros de luta. Esse é o lugar comum de diversos problemas. Não estamos imunes ao erro. Mas sem identificação, entendimento e comprometimento, não seremos capazes de lidar de maneira madura e funcional com nada.
Como esperamos evoluir apontando o dedo para a outra pessoa sem olhar para si? Todos e todas nós, individual e/ou coletivamente, temos capacidades e potencialidades para agir. E nesse ponto, resolver os problemas ou até mesmo aumentar as distâncias, obstáculos e problemas como um todo.
Precisamos compreender e reconhecer nossas diferenças. Mas ao mesmo tempo, enxergar cada um/a de nós nas outras pessoas. A lição vem das causas que defendemos e como elas se ligam umas às outras e com o todo. Entender quem são nossos/as verdadeiros adversários/as e aliados/as é fundamental. Ir na raiz do problema e saber direcionar onde devemos ir, como devemos lidar e quanto de nossa energia deve ser investida para resolvê-lo. Precisamos projetar e construir o mundo que desejamos e qual o tipo de pessoa desejamos ser nele.
O momento passa longe de ser positivo. Vivemos, entre muitas questões, uma pandemia que tem afetado nosso modo de viver e experienciar o mundo e como nos relacionamos. É um cenário em que devemos nos recordar do quanto precisamos de abordagens conscientes. De contato social e afeto. Um momento de dor e medo que evidencia o poder da união e da coletividade na construção de uma alternativa ao mundo em que vivemos. Um futuro melhor. E cabe, então, perguntar: que tipo de ativistas nos propomos a ser durante essa caminhada? Talvez isso defina não só o sucesso dos nossos projetos, mas a coerência que prometemos uns/umas aos/às outros/as. E isso pode fazer toda a diferença.